quarta-feira, 28 de dezembro de 2011

SALÁRIO E VIVER MÍNIMOS

Em sua obra magistral de análise e interpretação da sociedade capitalista, Marx ao descrever o processo de exploração do Trabalho, nos diz que ao trabalhador, isto é, aos não-proprietários dos meios de produção, é destinado como pagamento pelo seu esforço físico e nervoso no processo produtivo das mercadorias apenas o necessário para que ele, o trabalhador, continue vivendo em condições de produzir mais. A isto ele denominou de salário mínimo – sem o qual o trabalhador perece, o que, aliás, não é de todo ruim para os donos do Capital quando há excesso de mão-de-obra desempregada e não existe trabalho para conformá-la.
Duas notícias mereceram comentários, os mais díspares, em muitos lugares em que os ouvi: o aumento do salário mínimo para R$ 622,00 e a ascensão do Brasil à condição de sexta economia mundial, ultrapassando a Inglaterra. As duas notícias estão sendo veiculadas como elementos da ideologia liberal, no sentido de conformar as massas à condição de subalternidade aos ditames do Capital. São propagadas como atestado de que nesse rumo todos serão afortunados num futuro indeterminado. Os programas de assistência e seguridade social, os quais tiraram da tortura da fome milhões de trabalhadores (embora permaneça uma multidão de, aproximadamente 6% da população brasileira vivendo miseravelmente) confirmariam tal perspectiva fazendo a Presidente Dilma nadar confortavelmente em extraordinários índices de popularidade – que fazem matar de inveja inconsoláveis demos e tucanos.
De minha parte, defendo que os governos Lula - Dilma tem alguns poucos elementos que os diferencia positivamente em relação aos anteriores, dentre esses, o tratamento dado ao salário mínimo e à Educação – ainda que insuficientes. Assim, não sou dos que ficam cantando loas ao governo dos dois líderes como se o Brasil estivesse sob o comando dos trabalhadores e caminhando rumo a uma república radicalmente democrática, política e economicamente. As razões podem ser expressas em números conforme podemos verificar.
Interpretando praticamente a Constituição Federal (Capítulo II, Direitos Sociais, art. 7º, inciso IV), o Dieese calculou o salário mínimo ali estabelecido e chegou ao valor de R$ 2.349,26, para o mês de novembro deste ano; isto mesmo, quase dois mil e trezentos e cinquenta reais. O descompasso entre o que a Constituição determina e a realidade vivenciada pelos trabalhadores, mostrada objetivamente pelo Dieese em números, revela o caráter classista das leis: só são respeitadas e cumpridas quando garantem os interesses dos donos do Capital, quando se referem aos direitos e interesses do Trabalho mil e uma desculpas são produzidas para não serem cumpridas. Revelam, também, que, apesar do crescimento real do salário mínimo, este está muito distante daquilo que a Constituinte entendeu ser necessário em termos salariais para uma sobrevivência digna dos Trabalhadores.
Por fim, segundo estudos do mesmo Dieese: 50,6% dos trabalhadores ocupados no Brasil ganham, no máximo, um salário mínimo; 34,8% ganham entre um e dois salários mínimos; apenas 14,6% ganham mais de dois salários mínimos. Esses números em confronto com a ascensão do Brasil à posição de 6ª maior economia do mundo revelam o que os donos do Capital e seus prepostos nos governos não querem que os trabalhadores percebam. Os números mostram que de todo o crescimento econômico verificado, de todas as riquezas produzidas pelos Trabalhadores brasileiros, o que lhes tem cabido não é mais que esse mísero salário mínimo: uma migalha caída do banquete dos donos do Capital. Essa é a natureza inexorável do Capitalismo (e quem duvidar é só lembrar as condições de vida e trabalho impostas aos trabalhadores europeus pelo Capital agora), a qual foi denunciada por Marx há 150 anos. Mas como diziam os companheiros do PT (alguns ainda o dizem): “um outro mundo é possível” – é esse que precisamos construir!

Professor Me. Elismar Bezerra Arruda

sábado, 24 de dezembro de 2011

Um natal em Moscou

Vivi em Moscou o ultimo natal do período soviético. Foi um daqueles eventos que ficam indeléveis em nossa memória. Lembro dele como um dos dias mais interessantes do período em que morei naquela cidade. Tudo aconteceu em torno da preparação e realização de uma ceia e de uma festiva troca de presentes. Quem organizou a festa foi um velho operário português, militante comunista desde a juventude e que tinha conhecido todos os dissabores da luta política clandestina durante a ditadura de Salazar. Curioso é que participaram da comemoração todos os membros, sem exceção, das delegações dos partidos comunistas de língua portuguesa que estavam naquela ocasião no Instituto de Ciências Sociais do PCUS em Moscou.
Educado em uma família de orientação religiosa crista católica sempre participei e continuo participando das celebrações do natal. Na minha infância elas eram simultaneamente religiosas e profanas. Na medida em que o tempo foi passando o lado do natal que culturalmente foi deixando marcas em mim foi o lado profano dessas celebrações. E esse natal em particular que passei em Moscou foi marcado pelo que poderíamos chamar de uma celebração laica.
O nosso esforço era para organizar uma ceia com comidas tradicionais do natal, ou seja, peru, bacalhau e leitão assado. Deu certo. O bacalhau apareceu misteriosamente por obra e graça da delegação portuguesa e o leitão foi fácil de ser adquirido em um dos açougues do bairro, pois é um tipo de carne muito consumida pelos moscovitas. Da nossa relação de comidas só não conseguimos um peru que teve que ser substituído por um faisão assado ave que por aqui costuma ser rara e cara e que lá podia ser encontrada nos chamados mercados “kolkosianos”. Foi como já disse uma ceia inesquecível, regada a legitima vodka russa, conhaque georgiano, de uma não tão boa cerveja russa e um delicioso espumante caucasiano.
Compartilhamos naquele momento, brasileiros, portugueses e africanos o prazer da conversa em língua portuguesa os sabores das ceias em família e as saudades de casa.
O calendário dos Cristãos russos é ligeiramente diferente dos Cristãos ocidentais. A celebração das datas dos principais eventos do cristianismo é diferente nessas duas tradições. O natal é uma delas. Em Moscou por conta desse desencontro de datas e tradições o dia de natal dos cristãos ocidentais era um dia comum no calendário russo. A cultura religiosa deles é bem diferente da ocidental.
O inverno no hemisfério norte estava recém começando, nevava e a temperatura estava alguns graus abaixo de zero. O Instituto era uma verdadeira babel de povos, de línguas e de cultura religiosas. Nossa ceia especial de natal em um dia comum no meio da semana foi alvo da curiosidade das outras delegações e acabou virando o assunto do dia nas cafeterias da escola na manhã seguinte isso ao lado do debate cotidiano e permanente sobre a já perceptível, que em seguida se mostrou irreversível, crise econômica, social e política enfrentada pelo partido comunista da União Soviética .
No natal do ano seguinte o poder soviético tinha se esfacelado e a Federação Russa já tinha hasteado no Kremlin sua bandeira tricolor. A velha Rússia passava novamente por uma convulsão e tinha o seu mapa redesenhado mais uma vez no século vinte.
Nunca acreditei nem que os soviéticos tinham construído um paraíso na terra e muito menos um inferno como apregoava a propaganda anticomunista. Morar lá uma temporada me mostrou que se lá não era o paraíso muito menos era o inferno. Passado vinte anos do fim da antiga “União das Republicas Socialistas Soviéticas” nesse mês de dezembro leio os primeiros balanços dessas duas décadas feitas por analistas que não se limitam a resmungar chavões anticomunistas.
A grande questão colocada é procurar saber até que ponto houve grandes transformações no ordenamento da sociedade russa nessas duas décadas. O poder mudou mesmo de mãos com a derrota e desintegração do partido comunista? Ele era mesmo monolítico como se auto-definia e assim imaginavam seus adversários? Reformas foram feitas é inegável, á duvida é se elas tiveram o alcance que os críticos liberais do poder soviético talvez esperassem. Não sei responder e o que tenho lido muitas vezes me coloca mais duvidas do que certezas
“Mudaria o Natal ou mudei eu?" Se interrogava Machado de Assis “em vão lutando contra o metro adverso” em seu “Soneto de Natal”
Houve mudanças é certo. Agora eu como o natal russo não sei até que ponto mudou. Continuo socialista e considerando que a tradição teórica marxista é aquela que pode nos permitir melhor compreender e transformar a realidade e o dia em que é celebrado o natal no ocidente continua não sendo feriado em Moscou.

Manoel F V Motta
Natal de 2011