sexta-feira, 8 de julho de 2011

OS TRABALHADORES E A FÓRMULA GLOBAL DE CONQUISTAR UM REAJUSTE SALARIAL


Depois de anos de experiências diversas nas lutas e movimentos dos trabalhadores por melhores condições de vida e trabalho, chego hoje a conclusão de que estava totalmente equivocado. Que não havia necessidade de tantos enfrentamentos, greves, embate com as forças de segurança, sindicato, etc., pois, tudo poderia ter-se resolvido com uma simples conversa amistosa, mansa e delicada entre patrão e empregado. Sim, é isso que uma dupla de apresentadores de um telejornal da Globo, nesta manhã de inverno mato-grossense, me jogou impunemente na cara como ensinamento.
A reportagem foi bem urdida, inclusive plasticamente. Uma moça esguia, bonita, de fala fluente e bem articulada é apresentada em um escritório como funcionária deste, insatisfeita com os seus vencimentos e disposta a reclamar ao seu chefe aumento salarial. A repórter recorre a um “especialista” (que Gramsci identificaria como intelectual orgânico do Capitalismo) em recursos humanos para recolher deste, orientações sobre como deveria proceder um trabalhador para pedir e receber aumento salarial. O “especialista” dá diversos conselhos: não se emocionar, não falar dos seus problemas, falar da sua contribuição para o crescimento e sucesso da empresa, etc.; e, caso o patrão lhe respondesse com um sonoro não, alegando falta de condições financeiras para conceder o reajuste, o trabalhador não deveria se revoltar, mas perguntar ao patrão o que ele (empregado) deveria fazer para que a empresa crescesse, melhorasse o seu faturamento (lucro) e, assim, tivesse as condições para lhe atender ao pedido.
Os professores das redes municipais de ensino de alguns municípios mato-grossense fizeram greve este ano por reajustes salariais, os da rede estadual estão em greve, os bombeiros de diversos estados da Federação fizeram greves com graves enfrentamentos, os funcionários da SEMA-MT fizeram greve, os da Saúde Pública, também; diversas outras categorias ameaçam paralisar suas atividades por melhores salários e outras reivindicações. Segundo a reportagem todos esses estão equivocados, não é assim que se consegue ter as reivindicações atendidas; bastaria um diálogo manso, delicado, individual, sem tumulto, sem assembléias barulhentas, sem passeatas, etc., para que seus respectivos patrões, públicos ou privados, atendessem as suas reivindicações. Entretanto, caso os patrões não pudessem atender, os trabalhadores deveriam indagar candidamente sobre o que eles deveriam fazer para melhorar as condições econômicas da empresa e, assim, terem suas reivindicações atendidas mais tarde.
A reportagem é um deboche com a história e com a inteligência dos trabalhadores, tal como fazia Delfim Neto quando ministro da Fazenda no governo dos militares: o ilustre intelectual do Capital dizia que era necessário fazer o “bolo” (a economia) crescer para depois reparti-lo com todos. De fato, o bolo cresceu, por obra e sacrifício dos trabalhadores brasileiros, mas quem o comeu não foram os trabalhadores e sim os grandes empresários, os grandes proprietários rurais e donos de bancos, dos quais Delfim era preposto. Agora, de forma melodramática tentam nos convencer de que a sociedade não está dividida entre os que tem e os que não tem a propriedade dos meios de produção, de que os interesses dos empresários são os mesmos interesses dos trabalhadores, aliás, que não existe trabalhadores, mas “colaboradores” e que, portanto, não há a necessidade destes se organizarem em sindicatos, associações, etc., para reivindicar melhores condições de vida e trabalho. A reportagem extingue, com meia dúzia de palavras ensaiadas pela jornalista-atriz e com cenas comoventes como se de um filme de Akira Kurosawa, a luta de classes, a mais valia e a natureza, enfim, do Capitalismo. Quê fazer?
Lembrei-me de uma entrevista dada por Professor Paulo Freire a uma revista de circulação nacional, quando questionado sobre o poder que a fala, o discurso, de um professor-educador teria diante da força de um meio de comunicação de massa, capaz de “fazer a cabeça” de milhões de pessoas ao mesmo tempo no Brasil inteiro. Com a sua serenidade característica Paulo Freire respondeu (palavras minhas) que aquele meio de comunicação, por mais abrangente e poderoso que fosse não poderia seqüestrar a realidade em sua totalidade, de modo que, apenas como parte da realidade ele era cognoscível e, assim, podia ser re-conhecido, interpretado e reduzido à sua condição de instrumento da dominação. A fala do saudoso professor faz aflorar mais a necessidade que a maioria da sociedade brasileira tem de uma escola vinculada aos seus interesses, às suas necessidades e, portanto, de professores-educadores capazes e comprometidos com suas funções de intelectuais orgânicos dessa maioria. Essa perspectiva exige professores-educadores com uma determinada competência, competência que, para além de formar gente para o “mercado”, seja capaz de elevar intelectualmente essa gente para uma compreensão superior da realidade e, desse modo, inserirem-se conscientemente no processo de recriação material e espiritual da sociedade em que vivemos.

Elismar Bezerra - Ex Secretario de Cultura de Mato Grosso e mestrando em educação na UFMT

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