terça-feira, 2 de agosto de 2011

VIOLÊNCIA NÃO RIMA COM DESENVOLVIMENTO

Nos últimos tempos, venho expressando, cada vez mais, meu interesse em discutir a questão do desenvolvimento, mais acentuadamente, o de Mato Grosso. Isso vem se traduzindo através de projetos de pesquisas apresentados, artigos e eventos realizados.
Para quem chegou há 25 anos e resolveu aqui se assentar, fazendo – conscientemente – deste Estado sua opção de educação e trabalho, de convivência social e política, esse é um longo percurso.
Não precisaria dizer novamente o que me fez adotar Mato Grosso como a “minha terra”, “meu ponto de partida e meu ponto de chegada”, mas é sempre bom reforçar que foi o seu povo alegre e expansivo; a sua cultura permeada de sincretismos, das festanças, dos festivais; o calor humano e do sol de mais de 40º em novembro; suas águas no rio Coxipó e no Cuiabá, no Araguaia, no Paraguai, Rio Vermelho, Teles Pires ou Guaporé que me fizeram aqui ficar.
Quando penso nessa diversidade, fico mais convencida ainda de que devemos nos lançar na tarefa de contribuir para que no decorrer do século XXI este Estado supere suas debilidades e se edifique democrático, com superação das graves desigualdades, valorização do trabalho, emancipação das mulheres, proteção ao meio ambiente, com saúde, educação, cultura e lazer para todos.
Entretanto, pensar o desenvolvimento de Mato Grosso fica embotado quando temos que lidar, ainda, com a prática retrógrada da violência: cotidiana, escancarada ou silenciosa, histórica e, de difícil superação. Nos últimos tempos, voltamos a assistir a exacerbação de diferentes formas de violência retratadas nos meios de comunicação.
O nosso histórico e relação com o que chamo de violência são desconcertantes. Como não sou uma estudiosa do tema, mas sim uma “palpiteira”, remonto memórias de uma época (de minha chegada em Mato Grosso), em que a população vivia assustada com crimes cometidos por cidadãos do próprio estado, que devia protegê-los. O Portão do Inferno, diziam antigas histórias, era desova de desafetos. Enquanto isso, crimes de violência doméstica, contra a mulher, assaltos, roubos, assassinatos de toda ordem, chacinas e execuções continuaram acontecendo.
A luta pela redemocratização do país, a intensa participação dos movimentos sociais, o enfrentamento ao neoliberalismo, entre outros eventos, permitiram que gradativamente, Mato Grosso fosse virando essa página. Tanto que denúncias de trabalho escravo e infantil foram libertando homens, mulheres e crianças de uma vivência degradante. As chacinas foram condenadas veementemente pela população. A polícia foi se humanizando. Houve um período de um legítimo aceno para uma cultura de paz.
Os últimos acontecimentos, entretanto, me remetem a duas obras: uma do escritor italiano Norberto Bobbio “O futuro da democracia” e outra de Edson Teles e Vladimir Safatle “O que resta da ditadura”.
Na primeira, Bobbio diz que “a democracia não goza no mundo de ótima saúde, como de resto jamais gozou no passado, mas não está à beira do túmulo”. Isso significa dizer que, algumas práticas de violência precisam ser coibidas imediatamente, pois as mesmas não condizem com o exercício democrático que nos lançamos no Brasil nas últimas três décadas.
Sobre essas práticas de violência ocorridas nos últimos meses em Mato Grosso, cito entre outras, a agressão sofrida por uma jornalista, no exercício da profissão, em Pontes e Lacerda, praticada por um vereador do município; o assassinato do prefeito de Novo Santo Antônio; o assassinato do jornalista Auro Ida em Cuiabá (independente da motivação do crime: passional ou, mais grave ainda, político); a ameaça de punição feita pelo presidente da Câmara Municipal de Cuiabá, vereador Júlio Pinheiro ao vereador, Lúdio Cabral, que vem se colocando contrário aos privatistas da SANECAP e, a violência emanada do poder municipal contra os manifestantes que querem apenas “água”!; a violência simbólica contra os movimentos sociais e, mais especificamente, contra o movimento sindical que vem tendo todas as suas ações reivindicatórias criminalizadas e consideradas ilegais neste Estado, quando trabalhadores lutam pela valorização do trabalho, condição imprescindível para qualquer processo de desenvolvimento.
Considero, portanto, que o futuro de nossa democracia fica comprometido quando essas violências pairam sobre nós. E é aí que a frase de Edson Teles ganha significado, para além de sua abordagem sobre a ditadura quando escreve Entre a Justiça e a Violência: “(...) não eliminaremos as balas perdidas se não apurarmos a verdade dos anos de terror de Estado de modo a ultrapassarmos certa impunidade. Pois a bala perdida é, como o silêncio e o esquecimento, o ato sem assinatura pelo qual ninguém se responsabiliza”.
Consideremos “bala perdida” a título deste artigo, todas essas práticas violentas, antidemocráticas, retrógradas e que buscam intimidar quem ousa levantar vozes contrárias ao velho, ao decadente. Isso por certo, não rima com o desenvolvimento pretendido pelo povo mato-grossense.

Marilane Costa - Mestre em Educação; Professora do IFMT – Integrante do Grupo de Pesquisa As vicissitudes da Civilização Brasileira (IFMT/UFMT/UNEMAT); Membro da Direção Estadual do PCdoB. laneacosta@gmail.com

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